Traduzir poesia é sempre um risco, traduzir e tentar rimas é ousadia demais. No entanto acho que vale a pena e dou a cara a tapa. Decerto há outras traduções melhores que esta minha versão quase livre. O fato é que gosto de José Martí e dos seus “Versos Sencillos”, gosto de imaginar as circunstancias em que foram escritos, frutos de um pensador, jornalista, advogado e poeta, títulos que desmentem a simplicidade dos versos. Morreu aos 42 anos, a frente de um grupo de patriotas cubanos, lutando contra os espanhóis. Depois de morto, a exemplo de Tiradentes no Brasil, também teve seu corpo mutilado pelos soldados inimigos. É por isso considerado o mártir da Independência Cubana.
VERSOS SIMPLES
Eu sou um homem sincero
De onde cresce a palma,
E antes de morrer eu quero
Deixar os versos da minh’alma
Com os pobres da terra
Quero meus versos deixar
Pois o riacho da serra
Me dá mais prazer que o mar
Meu verso é de um claro verde
E de um carmim flamejante:
Meu verso é cervo ferido
Quem busca amparo no monte.
Meu verso ao valente agrada
Meu verso breve e sincero,
Tem a dureza do ferro
Do qual se funde a espada.
Venho de todos os lugares
E a todos lugares vou
Arte sou entre as artes
Entre os montes monte sou.
Eu sei os nomes estranhos
De todas ervas e flores
De todos fatais enganos
E todas as sublimes dores.
Senti na noite escura
Chover na minha fronte
Raios de chama pura
Vindos da divina fonte.
Vi nascer asas nos ombros
Das mulheres formosas
E em meio aos escombros,
Sair voando as mariposas.
Vi um homem vivendo
Com um punhal no costado,
Sem nunca dizer o nome
Daquela que o havia matado.
Por duas vezes tive a alma
Passando nos olhos meus
Quando vi morto meu pai
Quando ela me disse adeus.
Gozei de uma vez de tal sorte
Que gozei como nunca: - Quando
A sentença da minha morte
O oficial ordenou chorando.
Eu ouço um suspiro
em meio a terra e o mar
E não é um suspiro: - É
Meu filho que vai acordar.
Se dizem que do joalheiro
Se tome a joia melhor
Eu tomo um amigo sincero
E deixo de lado o amor.
Vi a águia ferida
Voando no azul sereno,
E morrendo no seu covil
A cobra do próprio veneno.
Sei que quando o mundo
Cede pálido ao descanso
No silêncio profundo
Sussurra o arroio manso.
Coloquei a mão ousada,
De medo e júbilo hirta
Sobre a estrela apagada
Que caiu rente a minha porta.
Escondo em meu peito valente
A mesma pena que o fere
Filho de um povo escravo
Vive para isso, sofre e morre.
Tudo é belo e constante
Tudo é música e razão,
E tudo, como o diamante,
Antes de luz é carvão
Sei que o tolo é enterrado
Com luxo e grande pranto.
E não há melhor fruto na terra
que o que brota no campo santo.
Calo, entendo, me aposso
Da pompa do rimador
E penduro num galho seco
Meu diploma de doutor. – (José Martí.).