sexta-feira, 20 de agosto de 2010

MAS CONTEM...


Raio se libertou

Clareou

Muito mais

Se encantou

Pela cor lilás

Prata na luz do amor. – (Djavan.).



Tem sombras que me visitam a noite

Tem um relógio batendo as horas.

 Contem à ela da minha tristeza

 em segredo, mas contem.

 De como sigo fingindo

 falando com palavras que não são minhas.

 Mas que vocês tem a certeza

 que sofro muito mas não mostro minha fraqueza.

 Que meus ombros não se curvam

 nem se amedrontam meus olhos

 que a dor é bem maior que isso

 que não há desonra ou vergonha que se iguale.

 Mas façam com que ela veja

 do invencível que tem dentro de si

 que é preciso estar atenta à todos os caminhos

 e se deixar levar como num vácuo

 porque ao longe vem a claridade da aurora.

 E se ela não entender precisam convencê-la

 desse dever que é o meu. - (Dário B.).

sexta-feira, 13 de agosto de 2010

CARTA PARA JOSEFA, MINHA AVÓ.



Tens noventa anos. És velha, dolorida. Dizes-me que foste a mais bela rapariga do teu tempo – e eu acredito. Não sabes ler. Tens as mãos grossas e deformadas, os pés encortiçados. Carregaste à cabeça toneladas de restolho e lenha, albufeiras de água. Viste nascer o sol todos os dias. De todo o pão que amassaste se faria um banquete universal. Criaste pessoas e gado, meteste os bácoros na tua própria cama quando o frio ameaçava gelá-los. Contaste-me histórias de aparições e lobisomens, velhas questões de família, um crime de morte. Trave da tua casa, lume da tua lareira – sete vezes engravidaste, sete vezes deste à luz.

Não sabes nada do mundo. Não entendes de política, nem de economia, nem de literatura, nem de filosofia, nem de religião. Herdaste umas centenas de palavras práticas, um vocabulário elementar. Com isto viveste e vais vivendo. És sensível às catástrofes e também aos casos de rua, aos casamentos de princesas e ao roubo dos coelhos da vizinha.

Estou diante de ti, e não entendo. Sou da tua carne e do teu sangue, mas não entendo. Vieste a este mundo e não curaste de saber o que é o mundo. Chegas ao fim da vida, e o mundo ainda é, para ti, o que era quando nasceste: uma interrogação, um mistério inacessível, umas coisas que não faz parte da tua herança: quinhentas palavras, um quintal a que em cinco minutos se dá a volta, uma casa de telha-vã e chão de barro.

Aperto a tua mão calosa, passo a minha mão pela tua face enrijada e pelos teus cabelos brancos, partidos pelo peso dos carregos – e continuo a não entender. Foste bela, dizes, e bem vejo que és inteligente. Por que foi então que te roubaram o mundo? Mas disto talvez entenda eu, e dir-te-ia o como, o porquê e o quando se soubesse escolher das minhas inumeráveis palavras as que tu pudesses compreender. Já não vale a pena. O mundo continuará sem ti – e sem mim. Não teremos dito um ao outro o que mais importava.

Não teremos realmente? Eu não te terei dado, porque as minhas palavras não são as tuas, o mundo que te era devido.

Fico com esta culpa de que me não acusas – e isso ainda é pior. Mas porquê, avó, porque te sentas tu na soleira da tua porta, aberta para a noite estrelada e imensa, para o céu de que nada sabes e por onde nunca viajarás, para o silêncio dos campos e das árvores assombradas, e dizes, com a tranquila serenidade dos teus noventa anos e o fogo da tua adolescência nunca perdida: “O mundo é tão bonito, e eu tenho tanta pena de morrer

É isto que eu não entendo – mas a culpa não é tua.


Zé.



 

(Não poderia me furtar a postar esta preciosidade. Uma carta do escritor José Saramago endereçada a sua avozinha. Quem dera corresponder-me com  uma pessoa de tal quilate. Um beijo e um muito obrigado á Ally, que me fez chegar as mãos tal maravilha.)

quarta-feira, 11 de agosto de 2010

COMPANHEIRA.




“Minha mulher, a solidão, impede que eu seja triste”
(Fernando Pessoa.).

Bem vinda, alma deserta
Já sabia que você vinha
Mantenho a porta aberta
Mais que de alguem, és minha.

Quando te ausentas por acaso
E entra em teu lugar a esperança
Trato logo de entornar o vaso
Parece incomoda a bonança.

De tanto estarmos juntos
Não nego por ti apreço
Dentre tantos desalentos
És a parte que mereço.

Senta e bebe comigo
Amarga é a minha bebida
Amargo o meu castigo
Amarga a minha vida.

A porta fica sempre aberta
Não fujo a minha sina
Bem vinda, alma deserta
Já tão velha e tão menina.





terça-feira, 10 de agosto de 2010

FAVORITOS XV


Na esperança de teus olhos

Eu ouvi no meu silêncio o prenúncio de teus passos
Penetrando lentamente as solidões da minha espera
E tu eras, Coisa Linda, me chegando dos espaços
Como a vinda impressentida de uma nova primavera.
Vinhas cheia de alegria, coroada de guirlandas
Com sorrisos onde havia burburinhos de água clara
Cada gesto que fazias semeava uma esperança
E existiam mil estrelas nos olhares que me davas.
Ai de mim, eu pus-me a amar-te, pus-me a amar-te mais ainda
Porque a vida no meu peito se fizera num deserto
E tu apenas me sorrias, me sorrias, Coisa Linda
Como a fonte inacessível que de súbito está perto.
Pelas rútilas ameias do teu riso entreaberto
Fui subindo, fui subindo no desejo de teus olhos
E o que vi era tão lindo, tão alegre, tão desperto
Que do alburno do meu tronco despontaram folhas novas.
Eu te juro, Coisa Linda: vi nascer a madrugada
Entre os bordos delicados de tuas pálpebras meninas
E perdi-me em plena noite, luminosa e espiralada
Ao cair no negro vórtice letal de tuas retinas.
E é por isso que eu te peço: resta um pouco em minha vida
Que meus deuses estão mortos, minhas musas estão findas
E de ti eu só quisera fosses minha primavera
E só espero, Coisa Linda, dar-te muitas coisas lindas...

(Vinicius de Moraes.).



FAVORITOS XIV


DEUS 

Creio que houve um tempo que eras o numero um.  
Depois, entre espinhas adolescentes, te vi como a unidade.  
Com minhas lágrimas te subdividi  
até descobrir que eras parte de um momento.  
Cresci, briguei, vivi até me desaprender da tua divindade.  
Hoje, de porre, velho, cético e mesquinho, 
me pergunto se seria demais, te pedir um carinho. - 


(Fausto Wolff.).



sábado, 7 de agosto de 2010

POEMA A MODA ANTIGA.


Um a um ouvi teus passos
não era noite nem dia
tinhas já os olhos lassos
e no entanto, sorria.

Calma, suave e serena
a tua presença macia
trazia à mente a  Falena
que no meu peito dormia.

Buscaram meus dedos a pena
que aguardava esguia
mergulhada em negra alfena
pronta à libertar a magia.

Pus-me a imaginar a cena
que a minha mente envolvia
o verso como carena
amparando minha arcadia.

Mas fugiu-me a ideia amena
tão fugaz melodia
ao ver que a musa pequena
tão inocente, dormia.



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