sábado, 30 de outubro de 2010

CAMINHADA


Vou andando
E meu futuro
São pequenas luzes
Acesas a minha frente
Caminho
E não olho para trás
Com medo
Das luzes que já se apagaram.

RETRATO



Há um tempo enorme se passando agora mesmo. Sou egoísta. Pra mim ele não passa.  Muito do que acontece, acontece porque a gente se mexe. Mas como sou maior do que me veem, posso me mexer um pouco. Apenas o insuficiente pra permanecer absolutamente estático. Fico como e onde cabo. Ordens são ordens e progresso é progresso, mesmo que seja desordem e retrocesso. Mas isso é um problema meu. Reclamar é coisa de louco, por isso acostumei.  É uma questão de ponto de vista. Eu me deixo ver desde que estou aqui. Tempo imensurável pra mim, já que aqui não tem céu, sol ou estrelas. Não tem saída, privada ou roupa lavada. É escuro a maior parte do tempo. Não o tempo todo, é verdade. Às vezes a luz entra e eu vejo o louco que me olha. Eu não envelheci, mas ele sim, como eu previa. Faz tanto tempo que estou aqui que esqueço de lembrar quanto, mas isso não importa.  Não lembrar e não saber é a mesma coisa. Não podem me ouvir, mas não faço barulho assim mesmo. Fico parado, ouço seus comentários e me calo. Faço tudo direitinho, me acostumei. Cumpro o prometido. Só olho o olhar antigo. Vago. Perdido. As caras, tantas e tontas. De qualquer maneira tudo faz muito tempo. Aqui, por mais que me agite estou paralisado. Fiquei. Estou aqui. Aceitei. Não devo... Não posso... me mexer. Por receio que este sorriso me caia do rosto talvez. As coisas que eu devia ter feito, e as coisas que deixei de fazer, empatam em zero a zero. Não desperdiço. Não gasto. Não faço. O impasse é a melhor síntese do meu movimento. Está tudo em volta de você: A casa, o pão e o vinho, mas deixa tudo pra me olhar. Daqui posso ver tudo. Eu estou de olho em você... E adiante... Não posso fazer nada!

 

quinta-feira, 21 de outubro de 2010

CHUVA




A chuva faz uma brincadeira
Com as arvores do jardim
Penetrando entre os ramos
Onde não há segredos
Mas também rega as raízes
Sedentas de seiva
Escorrendo desde a copa
Alta e melancólica.
Lava as delicadas flores
Alinhadas em vasos
Por prudentes mãos de mulher.
Chuva que as crianças
Na janela do quarto
Quanto mais forte mais aplaudem
E se assustam.
Chuva que os velhos ouvem
Com nostálgica paciência
Com tédio e pena
A terra molhada e as sombras
São aborrecidas.
Chuva, chuva
Cai o aguaceiro
Mas agora já não vejo
A janela escureceu
No vidro as gotas dispersas
Correm, resvalam, derramam-se
Sobem e descem
Cada uma é uma mancha
Cada uma é um cristal.
Apenas adivinho
Vago e obscuro o caminho
Por entre o úmido nevoeiro
As casas e os carros.


SUPLICA

O mar tomou em seus abismos
Aquele jovem pescador
Sem sabe-lo, perante a Virgem
Sua mãe acende uma vela
Para que volte logo e faça bom tempo
Escuta atenta o vento
Enquanto escuta reza e suplica
A imagem ouve, triste e compungida
Sabendo que não voltará
O filho que ela espera.
Inspirado em Caváfis e Dorival Caymmi

quarta-feira, 20 de outubro de 2010

REGALO


Era só uma camisa amarela,
Mas tinha o cheirinho dela.
E por maior
Que o mundo fosse
Não haveria
Perfume mais doce
E fosse maior ainda
Eu não teria camisa mais linda. - (Dário B.).





segunda-feira, 18 de outubro de 2010

GENESIS I, 1.



No bolso
Do velho casaco
Há uma semente
De-lhe terra, água e luz
Depois
Qual criança
Fique assistindo
Quando a flor nascer
Conte pra todos
Ou guarde-a no coração. – (Dário B.).



sábado, 16 de outubro de 2010

VÁCUO



Sei como estás
Os braços debatendo-se
Buscando o ar e a Luz
Enquanto os pés insistem
Em procurar o chão
Estás no meio da onda
É assim. – (Dário B.).



sexta-feira, 15 de outubro de 2010

PEDIGREE



Quando olhaste bem
nos olhos meus
e o meu olhar
era de cachorro pidão
você disse: -Sossega.
E eu disse: - Não,
bem que eu queria
mas não posso,
depois que mordo
não largo o osso.
Você continuou: -Safado,
só pensa nisso, seu tarado,
com essa cara de pau?
Assobiei, olhei pro lado
e respondi:
-Au au. - (Dário B.).



quarta-feira, 13 de outubro de 2010

É ISSO AÍ




É gente humilde, que vontade de chorar...
(Garoto, Vinicius e Chico.).





Para Ally, presente sempre presente, uma realidade diferente. 





Me pego pensando nas minhas gentes, agora bem mais do antes. Madrugada, são pedreiros, vendedores, estudantes. Costureiras, balconistas, cartomantes. Um corpo só agora, num bloco só, o apito, a corrida, as dormentes. As filas, os vagões, sufocantes. A pressa, a luta pra ganhar alguns instantes, pendurados, espremidos combatentes, esperando a redenção, das luzes cintilantes da sua estação. A rua, o clarão, os passos hesitantes, o desanimo, a busca, os patrões exigentes, as exigências humilhantes, a humilhação constante. A cabeça baixa, os olhos tristes são carentes, a mente insistente, casa, contas, filhos, o feijão, o frio, a cama dura, a aguardente. Sede, sofreguidão, alivio abrasante, mais vale ser ladrão, puta ou traficante, a gargalhada alucinante, a fantasia, o engano, a solução por um instante. Depois a noite com seu fardo estafante, a casa, o banho, o bocado restante, a TV, o crime, a mulher ausente. O escuro, o sono, o sonho, os únicos presentes. Não sei a quem pedir por eles, talvez ao Senhor dos Navegantes. – (Dário B.). 


segunda-feira, 11 de outubro de 2010

SAUDADES

Tenho saudades pra dar-te. São muitas e sinceras. Pra ti são simples palavras, pra mim imensas quimeras. São só minhas saudades, pouco ou nada valem. Mas são minhas verdades, quiçá teu sono embalem. São saudades enormes, mal cabem em mim, imensas, disformes, daqui não se vê o fim. Seria saudade oportuna, mais fácil de suportar, se por acaso a fortuna, viesse pra confortar. Mas a saudade tem regras, impossíveis de entender, linhas das mais negras, seria melhor esquecer. Mas ela insiste, invade, toma posse e se entranha. Não fosse assim a saudade, a dor não seria tamanha. E a saudade o que é? Alguém sabe explicar? Quem trouxe, quem inventou, em outro idioma como é que se diz? A resposta vem humilde, da sabedoria do povo: Saudade, meu bem, é vontade de te ver de novo. - (Dário B.).

sábado, 9 de outubro de 2010

DA CAPO


Eu te beijei

como se fosse

a ultima vez

e depois

mais duas ou três

e a ultima vez

ficou pra outra vez.- (Dário B.). 


quinta-feira, 7 de outubro de 2010

GUARDIÃO


Quem sabe te cantar uma cantiga de ninar, te deitar no colo sossegado, e te embalar murmurando versos. Dividir a fronteira do sono e ser o único ser acordado no mundo. E te guardar do passar das horas, dos passos que vem da rua. Silenciar o latir dos cães, a musica profana, deixar em teus ouvidos apenas o tilintar da chuva e a caricia do vento. Então meus olhos serão teu cobertor, minha mão teu abrigo, quando algo se mover no escuro. E mesmo acordada no teu sonho, saberá de mim. – (Dário B.).

MAKTUB

Os teus braços o meu ninho

No silencio de depois. (Vinicius).





Porque é anterior ao tempo no mundo

É autentico, verdadeiro e profundo

Presciente, intimo e fecundo.




ATALHO




Deve ser minha alma. Mas, minha alma?... Minha alma diz: Vem comigo, vamos juntos em busca do atalho que vai até lá. E onde é lá? Lá é onde mora a paz, onde girassóis brotados em campos de leite me espiam, um cristal de voz retine a mostrar que vivo. Lá é onde cachos se misturam as nuvens e fico sem saber se o cheiro de lilases não é coisa dos anjos. Lá é onde sinto a delicia da pequena mão (como de brinquedo fosse) a tecer carinhos no meu cabelo, é onde a proximidade do corpo é nova Anima divina. Lá é onde posso sereno pousar a cabeça em manso colo, raro berço de sonhos inenarráveis. Lá é onde todo abalo se dilui em branda vibração a se desfazer no ar. Lá é aqui, e está dentro de mim. – (Dário B.).



 

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