terça-feira, 30 de novembro de 2010

VERSOS SIMPLES




Traduzir poesia é sempre um risco, traduzir e tentar rimas é ousadia demais. No entanto acho que vale a pena e dou a cara a tapa. Decerto há outras traduções melhores que esta minha versão quase livre. O fato é que gosto de José Martí e dos seus “Versos Sencillos”, gosto de imaginar as circunstancias em que foram escritos, frutos de um pensador, jornalista, advogado e poeta, títulos que desmentem a simplicidade dos versos. Morreu aos 42 anos, a frente de um grupo de patriotas cubanos, lutando contra os espanhóis. Depois de morto, a exemplo de Tiradentes no Brasil, também teve seu corpo mutilado pelos soldados inimigos. É por isso considerado o mártir da Independência Cubana.

VERSOS SIMPLES

Eu sou um homem sincero
De onde cresce a palma,
E antes de morrer eu quero
Deixar os versos da minh’alma

Com os pobres da terra
Quero meus versos deixar
Pois o riacho da serra
Me dá mais prazer que o mar

Meu verso é de um claro verde
E de um carmim flamejante:
Meu verso é cervo ferido
Quem busca amparo no monte.

Meu verso ao valente agrada
Meu verso breve e sincero,
Tem a dureza do ferro
Do qual se funde a espada.

Venho de todos os lugares
E a todos lugares vou
Arte sou entre as artes
Entre os montes monte sou.

Eu sei os nomes estranhos
De todas ervas e flores
De todos fatais enganos
E todas as sublimes dores.

Senti na noite escura
Chover na minha fronte
Raios de chama pura
Vindos da divina fonte.

Vi nascer asas nos ombros
Das mulheres formosas
E em meio aos escombros,
Sair voando as mariposas.

Vi um homem vivendo
Com um punhal no costado,
Sem nunca dizer o nome
Daquela que o havia matado.

Por duas vezes tive a alma
Passando nos olhos meus
Quando vi morto meu pai
Quando ela me disse adeus.

Gozei de uma vez de tal sorte
Que gozei como nunca: - Quando
A sentença da minha morte
O oficial ordenou chorando.

Eu ouço um suspiro
em meio a terra e o mar
E não é um suspiro: - É
Meu filho que vai acordar.

Se dizem que do joalheiro
Se tome a joia melhor
Eu tomo um amigo sincero
E deixo de lado o amor.

Vi a águia ferida
Voando no azul sereno,
E morrendo no seu covil
A cobra do próprio veneno.

Sei que quando o mundo
Cede pálido ao descanso
No silêncio profundo
Sussurra o arroio manso.

Coloquei a mão ousada,
De medo e júbilo hirta
Sobre a estrela apagada
Que caiu rente a minha porta.

Escondo em meu peito valente
A mesma pena que o fere
Filho de um povo escravo
Vive para isso, sofre e morre.

Tudo é belo e constante
Tudo é música e razão,
E tudo, como o diamante,
Antes de luz é carvão

Sei que o tolo é enterrado
Com luxo e grande pranto.
E não há melhor fruto na terra
que o que brota no campo santo.

Calo, entendo, me aposso
Da pompa do rimador
E penduro num galho seco
Meu diploma de doutor. – (José Martí.).



Você pode ler os originais aqui: http://www.exilio.com/Marti/Marti.html , alguem pode reconhecer alguns versos aqui também: http://www.youtube.com/watch?v=mSq9dbbfE2k





quarta-feira, 24 de novembro de 2010

PRATO DO DIA





Arroz com feijão, feijão com arroz! Especialidade da casa. Só feijão não tem graça, só arroz não tem gosto. É nessa hora que se junta tudo numa coisa só. Garfo e faca observam o eclipse do feijão com o arroz no prato sobre a mesa. Enquanto eu não te disser como foi o meu dia, parece que nada do que aconteceu foi, de fato, real. Só viver não tem graça, só respirar não tem gosto. Sol e lua observam o eclipse da poesia com a prosa na garoa sobre a cidade. É nessa hora que se junta tudo numa coisa só. Especialidade da casa. Pra todo dia: eu contigo, você comigo! - (A/D).


 

domingo, 21 de novembro de 2010

PEQUENA DESFORRA






Deus não me fez grandioso como Beethoven para tornar imortal a amada. Conscio da minha pequenez optei pela singeleza, e torturo as palavras como faz o perfumista com as flores. Melhor sorte tem ele, com suas essencias. Escrever um poema é como colocar uma mensagem dentro de uma garrafa e atira-la ao mar. Sei a quem se destina, mas dos caminhos do mar, o que sei eu? Ao abrir a garrafa, lembrar-se-a do meu rosto, agora já apenas borrões e sombras? Ao ler a mensagem, num lampejo, por um unico momento sentirá de novo meu cheiro? Vãs palavras e sentimentos nobres não bastam, resta-me ouvir as ondas, coisa que que Beethoven não podia. 



CARMINA BURANA

FORTUNA IMPERATRIX MUNDI
O Fortuna

O Fortuna
velut luna
statu variabilis,
semper crescis
aut decrescis.
vita detestabilis,
nunc obdurat
et tunc curat;
ludo mentis aciem,
egestatem,
potestatem
dissolvit ut glaciem.

Sors immanis
et inanis,
rota tu volubilis,
status malus,
vana salus
semper dissolubilis,
obumbrata
et velata
michi quoque niteris;
nunc per ludum
dorsum nudum
fero tui sceleris.

Sors salutis
et virtutis
michi nunc contraria,
est affectus
et defectus
semper in angaria.
Hac in hora
sine mora
corde pulsum tangite;
quod per sortem
sternit fortem,
mecum omnes plangite!




Fortune plango vulnera

 Fortune plango vulnera
stillantibus ocellis
quod sua michi munera
subtrahit rebellis.
Verum est, quod legitur,
fronte capillata,
sed plerumque sequitur
Occasio calvata.

In Fortune solio
sederam elatus,
prosperitatis vario
flore coronatus;
quicquid enim florui
felix et beatus,
nunc a summo corrui
gloria privatus.

Fortune rota volvitur:
descendo minoratus;
alter in altum tollitur;
nimis exaltatus
rex sedet in vertice
caveat ruinam!
nam sub axe legimus
Hecubam reginam.

FORTUNA IMPERATRIZ DO MUNDO

Ó Fortuna

Ó Fortuna
és como a Lua
mutável,
sempre aumentas
e diminuis;
a detestável vida
ore escurece
e ora clareia
por brincadeira a mente;
miséria,
poder,
ela os funde como gelo.

Sorte monstruosa
e vazia,
tu – roda volúvel –
és má,
vã é a felicidade
sempre dissolúvel,
nebulosa
e velada
também a min contagias;
agora por brincadeira
o dorso nu
entrego à tua perversidade.

A sorte na saúde
e virtude
agora me é contrária.
e tira
mantendo sempre escravizado.
nesta hora
sem demora
tange a corda vibrante;
porque a sorte
abate o forte,
chorais todos comigo!




Choro as Feridas da Fortuna

Choro as feridas da fortuna
com os olhos rútilos;
pois que o que me deu
ela perversamente me toma.
O que se lê é verdade:
esta bela cabeleira,
quando se quer tomar,
calva se mostra

No trono da Fortuna
sentava-me no alto,
coroado por multicores
flores da prosperidade;
por mais prospero que  tenha sido,
feliz e abençoado,
do pináculo agora despenquei,
privado da glória.

A roda da Fortuna girou:
desço aviltado;
um outro foi guindado ao alto;
desmensuradamente exaltado
o rei senta-se no vertice –
precavenha-se contra a ruína!
porque no eixo se lê
rainha Hécuba.


Carmina Burana significa Canções de Benediktbeuern. Em meio à secularização de 1803, um rolo de pergaminho com cerca de duzentos poemas e canções medievais, foi encontrado na biblioteca da antiga Abadia de Benediktbeuern, na Alta Baviera. Havia poemas dos monges e dos eruditos viajantes em latim medieval; a obra já é vista como um lugar de magia, da busca de cultos e símbolos.
Esta cantata cênica é emoldurada por um símbolo de antigüidade – o conceito da roda-da-fortuna, em movimento perpétuo, trazendo alternadamente sorte e azar. Ela é uma parábola da vida humana, exposta a constantes transformações. Assim sendo, a dedicatória coral à Deusa da Fortuna (“O Fortuna, velut luna”), tanto introduz como conclui as canções seculares.
Você pode acompanhar aqui: http://www.youtube.com/watch?v=mDsffEtoF9A

quarta-feira, 17 de novembro de 2010

DÉDALO





Te procuro a noite nos labirintos dentro de mim. Desfilam nos meus olhos fechados todos os lugares do mundo. E todo o mundo beija-se na minh’alma. Os mentirosos vem me confessar os seus segredos, os desprezados deitam-se a minha sombra. Depositam a meus pés o cansaço do dia os trabalhadores, os limpos ajeitam o laço da gravata ao olhar para mim. Vago por Cardiff, São Paulo, Amsterdam, sem sair do meu quarto, e me sinto em casa em qualquer lugar. Bailam nas minhas retinas os astros, e partícula infinitesimal que sou, nado no Mar da Tranquilidade, beijo a túnica de Venus e desafio Marte para uma batalha sem me levantar da cama. Minha mão encostada na fronte me faz sentir pena, ódio, calma, alegria, inveja, sossego, ressentimento, rufião que fui dos sentimentos. Dou a mão aos heróis, sorrio com os vencedores e confraternizo com os fracos. Toco fitas e rendas, mergulho em lírios e amores perfeitos, busco teus cachos e eles não estão aqui. Resta-me o sonho, desvelo para mim que amo, consolo fugaz que te traz até mim. - (Dário B.).



terça-feira, 16 de novembro de 2010

TENDENCIA




Afinidade acontece. Um mesmo signo, um mesmo par de sapatos caramelo, um mesmo livro de cabeceira. Afinidade acontece entre seres humanos. A mesma frase dita ao mesmo tempo, o diálogo mudo dos olhares e a certeza das semelhanças entre o que se canta e o que se escreve. Afinação acontece. Um mesmo acorde, um mesmo som, uma mesma harmonia. Afinação acontece entre instrumentos musicais. A mesma nota repetidas vezes, a busca pela perfeição sonora e a certeza das similaridades entre um tom acima e um tom abaixo. A incrível mágica acontece quando os instrumentos musicais descobrem afinidades humanas entre si no mesmo instante em que os seres humanos descobrem afinações musicais dentro deles mesmos. – (A/D).



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