segunda-feira, 15 de novembro de 2010

A METALINGUAGEM DA REBELDIA (REPOST ³)




“ (...) Penetra surdamente no reino das palavras.
Lá estão os poemas que esperam ser escritos.
Estão paralisados, mas não há desespero
há calma e frescura na superfície intata. (...)”
(Carlos Drummond de Andrade)

O poema não é a claridade
a reverência
o sopro
a clarividência.
Muito menos
o amanhecer apressado
o gosto da pasta de dentes
o namoro enviesado
o livro de ponto
o incidente
a casualidade
o acidente no trânsito
o ônibus lotado
o sabor eterno - salgado e doce:
almoço e sobremesa.
Ainda não é
pura e simples
a expressão militante
todos os chavões do engajamento
o estereótipo da luta
o vampirismo rubro
dos que ainda bebem o sangue dos revolucionários
a mentira...
O poema também não é a estética
o formalismo
ou a escola
- estilo de época -
Tantas falácias!
Tantas minúcias!
E apologias de belo
de formas
ou perfeição.

Por que enquadrar o poema?
O poema, coitadinho!
Vai servindo de muleta
de artifício
de instrumento
nas mãos dos que não sabem falar.
Diz um verso o político:
arremata o verso pensando na glória
inaugura um ponto no coração do povo
- Demônio pregando Evangelho! -
E não respeita o poeta
que se mergulhou até os quintos dos infernos
para arregaçar a poesia.
Diz um verso aqueles homens pomposos:
empresários e patrões, mestres e phds.
Estão crentes que detém as palavras
e se fazem senhores da sabedoria
- Ah, grandiosa vaidade!
Medonha megalomania! -
Nesse instante, o poema é armadilha
e o poeta vira Santos Dummont
- o inventor ludibriado -

O que seria das academias
se o poema fizesse greve
e empenhasse a bandeira
contra o utilitarismo do verso?
Não teríamos o sonho.
Não teríamos o grito.
Não teríamos a utopia...
Até a música se tornaria tímida.
Até o samba entristeceria.
E o carnaval nem chegaria à quarta-feira-de-cinzas.
Certamente
os homens simples chorariam
os homens-máquinas tentariam um golpe
os homens-cérebros sentiriam alívio
e os governantes tentariam conchavos
mandariam representantes
mediadores
diplomatas...
Talvez, até
Os Estados Unidos
declarariam guerra
e apontariam o risco de uma Terceira Guerra Mundial.
E seria tanto besteirol
tanto melodrama
que, entediado, o poeta dormiria
e, junto com ele, a poesia.

Ainda ontem
levaram o poema ao médico.
O poema estava surdo
estava mudo
estava tonto...
Nenhuma homeopatia preveniu
nenhuma alopatia deu jeito.
E o poema ficou guardado no livro
aposentado
inútil...
apenas olhava os homens
por alguma fresta
entre páginas amarelas que a traça comia.

Encarcerado, o poema fede
mofo!
Sobras de purezas apodrecidas.
Restos de sonhos putrefatos.
Lixo orgânico de civilização morta!
O homem é o poema
mas, cadê o homem que o filósofo ainda procura?
Cadê a poesia do Cântico dos Cânticos ?
Pasárgada?
O poeta que manda o homem guardar rebanhos?
A explosão da Bomba Atômica no coração da gente?
O poema é o fardo do mundo:
todas as bocas
todas as perplexidades
todo susto
e as trepadas 100%.
O poema é o fardo do mundo:
asas que voam noturnas
testemunho ocular dos crimes
e dos amores - eternos (?) ou de ocasião -
O poema é o fardo do mundo:
sombra que paira
poeira nos olhos dos menos avisados...
a rasteira
a canseira
a bofetada
o tédio
o ócio
o bicho.

Nasceram flores naquele teto de poeta.
Que flores? Que poesia?
Será o teto a lápide?
E as flores o epitáfio?
Por que passam, medonhas, as imagens
pela mente do poeta?
As palavras não traduzem exatamente
o tamanho da estranha força
dos sentimentos sobre as coisas
das coisas sob as estrelas.
Mas nem isso retrocede a mágoa
da desvalia do verso sob o cartão de crédito...
E vai se acovardando a poesia
entre os dedos trêmulos do poeta
virando metalinguagem
de um fazer solitário
sofisma quase parnasiano
- a poesia pela poesia -
Porque não tem quem mais ame a poesia
do que o poeta.
Lasciva é a dor!
E o pranto e o vento...
E a poesia, atordoada, enfurece.
Cresce as unhas e os dentes
soltando fogo pela boca do poeta.
Insano furor!
Atroz magia!
E o verso vai guardando os pedaços
da sua destruição
no coração do leitor
que se inquieta
e nunca mais esquece
os olhos da poesia...
A sua voz que fala
tinindo um som medonho dentro da cabeça.
A poesia é docemente monstruosa para quem ler.

Tem dias que as coisas
pairam cínicas
até sobre os risos infantis
das crianças no parque.
Estão ali toda a matéria do verso
pelas mãos dos meninos sujos
que mendigam algodão-doce
roda gigante
e pipoca.
Os meninos são o verso
que emporcalham as caras pintadas
das madames que passeiam com seus filhinhos...
Tem dias que as coisas
pairam cínicas pelo mundo
e o drama vira humor;
o pranto, caricatura;
o susto, ironia...
Matéria explícita do verso
correndo pelas veias
e pelos esgotos...
Veias abertas.
Fétidos esgotos!

Que lirismo fala a poesia?
O amor que palpita?
O amor que escorrega?
O corpo que incendeia?
A fumaça que se esvai?
Que lirismo nos toca a poesia?
Horas vagas
máximas
translúcidas...
Cochicha-se o grito na hora do amor.
O verso escancara-se solto.
Perde a razão:
metafisiologia
metagonia
silêncio que se quebra
sussurros
espasmo
paixão...

Mas, retorno à palavra:
imperiosa razão
cristalina tensão!

A vontade da palavra
abre um flanco em mim
- corte quase físico -
a mostrar minhas veias
abertas e azuis
e um rosto que expressa
uma estonteante
e mentirosa serenidade...
Qual!
Onde estão as palavras que procuro?
Tão grandes em mim
tão grandes e distantes...
Perplexas
diante do tamanho
do meu pensamento
e da minha incapacidade de expressão
em código palpável.
Onde está o mistério que paira?
Todas as incógnitas indecifráveis
a neutralidade do duelo
entre Deus e o Diabo?
- Para inexistir o bem e o mal -

Arre!
Por que mudar o tema
e a razão do poema
quando a palavra
foi apenas provocação?

Ah! Criva-se, então
nesta luta de escrevinhar
sobre o limbo das coisas
o artifício do poeta.
Pois o poeta tem nas pontas dos dedos
uma palavra mágica
uma literatura de afiada transcendência
uma geometria de linhas traçadas
uma lógica matemática
uma obviedade histórica.
Ilimitados poderes
que percorrem acidentes geográficos
ultrapassa leis físicas
e restabelece a alquimia dos dizeres.
O poeta que alteia e lima e tece a poesia
e capta simbologias
e bate asas feito o condor
e experimenta vanguardas...
Este poeta é o mesmo
seja em épocas remotas
seja em dias de hoje
seja em horas diurnas
seja em horas noturnas
seja num tempo tardio... – (Genny Xavier. - Itabuna-Ba.)


Um pouco longo talvez (eu não acho) para quem leia, mas é um dos meus favoritos. Escrito por uma amiga que perdi contato por conta da dinâmica da vida e da rede. Espero que tenham gostado.


 

7 comentários:

  1. Dário, meu amigo, desta vez só vim aqui para dizer que não sei de qual selo estás a falar! Eu não recebi nenhum selo, nem por correio nem pela net! rsrs Bjs. O selo maior está no meu OLHAR! Não percebeste como ele foi elogiado?? :))

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  2. Ainda bem que o poema é paciente. Sai do pó e ao pó retorna, quando esquecido. Mas fica, seja preso entre as folhas ou entre os neurônios. Um dia sabe que será resgatado, descoberto, entendido. Belo poema o citado, gosto de tudo que procura descrever as várias faces do poema.

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  3. Gostei imensamente, cada palavra, ãnsia de ler e ler..., muito bom,um desabafo ou um surto poético!.
    Parabéns, voltarei para ler mais.
    bjs.

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  4. Passei para deixar um abraço e um bjim para você querido.
    Leleca.

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  5. E como não gostar? Impressionante.

    Abraço.

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  6. Ao chegar aqui, não quis sair...Fiquei, li, reli e resolvi permanecer.

    Adorável texto!
    Abraço

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  7. E é lendo coisas maravilhosas assim que eu desisto de escrever. rs

    Perfeito!

    Beijos!

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